Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Papo de buteco 3 - A viuva

Era um casal interessante.
Ele, por volta de 70 anos, meio empertigado, meio secão, metido a mandão, cara de poucos amigos.
Ela na flor de seus 40 anos, bonita, alegre quando ele deixava, se mantinha submissa, dava para ver, a muito contra gosto.
Eu não entendia muito bem aquela relação.
Mas também não era meu problema. Eu como dono de buteco, tenho que me ater a servir e não me meter na vida dos fregueses.
Vinham, sentavam-se a uma mesa discreta, num canto do salão, e como sempre o mesmo pedido:
- Me vê dois pasteis de carne, uma media de café com leite e um guaraná para ela.
Não passava disso, era sempre o mesmo pedido. Fazia o pedido como se pedisse um lauto jantar.
Num buteco, a gente sempre escuta as conversas, parece que os fregueses não percebem que você ao servir, querendo ou não, absorve tudo que é dito as mesas. Tem gente que não nos vê, parecemos fantasmas, ghost, chegam até a olhar através da gente.
Bom, mas isso não interessa!
Como vinham muito ao buteco, acabei conhecendo um pouco da historia desse casal.
O homem tinha passado toda a sua vida trabalhando e juntara até os centavos que ganhava. Levava uma vida franciscana, gastava só o essencial. Ele era realmente um mão-de-vaca. Munheca de samambaia!
Eu vi e ouvi ele varias vezes dizendo à mulher:
- Ouve-me bem, mulher! Quando eu morrer, quero que pegue todo o meu dinheiro e o coloque no caixão junto comigo. Eu quero levar todo o meu dinheiro para garantir a minha próxima encarnação.
Ele dizia isso e obrigava a mulher a prometer, a jurar de pé junto que, quando ele morresse, ela colocaria todo o seu dinheiro dentro do caixão junto dele.
Insistia com veemência até que ela fizesse a promessa.
Presenciei este fato muitas vezes. Era constrangedor!
Um dia veio a noticia, Seu Ariosto tinha morrido.
Como é meu costume, acompanho tudo que acontece no meu bairro.
Coloquei um paletó, fiz a barba e fui ao velório.
Ele foi colocado dentro do caixão, todo engalanado, enquanto a mulher se mantinha sentada a seu lado, toda de preto, cara séria, mas sem chorar.
Muitos dos meus fregueses estavam lá, alguns, amigos mais chegados do casal.
Quando terminou a cerimônia e o padre se preparava para fechar o caixão, a mulher disse:
- Só um minuto! Eu fiz uma promessa a ele, e vou cumprir!
Tinha com ela uma caixa de sapatos amarrada com uma fita. Aproximou-se e colocou-a dentro do caixão, juntamente com o corpo:
- Ai esta, meu velho, promessa é divida e a divida ta paga.
Prosseguiu-se a cerimônia, o caixão fechado com a caixa e tudo, e o defunto foi enterrado, cumpridas todas as exéquias.
Fui embora pensativo, me admirando com a atitude dela.
Algum tempo depois, ela aparece no buteco.
Sem nenhum aspecto de viúva sofredora, tranqüila, bonitona, bem vestida, rosto sereno, com ares até de aliviada.
Perecia ter tirado um peso dos ombros.
Sentou-se em uma mesa bem iluminada, ao sol, e pediu um campari.
Alguns amigos vieram cumprimentá-la.
Um desses amigos que sabia do desejo do falecido, não se agüentando de curiosidade disse-lhe:
- Espero que não tenhas sido doida o suficiente para meteres todo aquele dinheiro dentro do caixão!
Ao que ela, de forma serena, respondeu:
- Claro que sim. Eu prometi-lhe que colocaria todo aquele dinheiro junto dele e foi exatamente o que fiz.
- Estás me dizendo que puseste todo o dinheiro, até os centavos que ele tinha, dentro do caixão com ele?
- Claro que sim! - Respondeu a mulher.
E diante de uma turma com ares de perplexidade reafirmou:
- Juntei todo o seu dinheiro, até os centavos, depositei-o na minha conta e passei-lhe um cheque. Ele que vá  descontá-lo lá no inferno!
É como eu sempre digo, num buteco é que se vê a vida como ela é!

Adaptado de texto recebido por e-mail, sem autoria.
Imagem capturada no:   http://thehottestshit.blogspot.com/ 
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